sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

O casebre

- Você está bem?
A garota abria seus olhos aos pouquinhos.
- Você está bem? – ouviu novamente.
Voltando-se viu uma senhora sorrindo. Estava sentada em uma cadeira ao lado da cama. Olhou ao redor. Era um casebre de madeira bem humilde.
- Onde estou? – perguntou a jovem ainda fraca.
- Em minha casa. Meu marido a encontrou desmaiada no pântano. Pelo jeito você tomou toda aquela tempestade.
- O que aconteceu com Eliot?
- Eliot?
- Sim.
- Não sei do que está falando – disse a mulher.
Mas antes que ela terminasse, ouviram outra voz vinda da porta, dizendo:
- Está se referindo ao regente da cidade dos magos?
Era um senhor franzino, com um enorme chapéu oriental. Olhando assim, parecia um andarilho ou algo do tipo.
- Esse mesmo. Quando saí de lá, ele estava lutando contra um homem. Queria saber se está bem...
- Então você fez mesmo uma longa viagem. Kirpa fica muito distante daqui.
- Muito distante?
- Descanse! Você está muito debilitada. Deve descansar bastante.
Sem fazer mais nenhuma pergunta, Izzy deitou-se novamente. Só pensava em como aquele círculo poderia tê-la trazido para tão longe e o que faria de agora em diante.

Durante muitos dias esse bondoso casal cuidou da jovem. Aos poucos, Izzy se recuperava e ganhava mais cor e força. Não havia comentado nada sobre o episódio no palácio de Eliot, nem quem era ou quem os magos achavam que ela era. Nesse tempo aprendeu mais e mais de como é dura à vida do povo de Farh. O casal se chamava Cassius e Mei. E mesmo com a convivência desses dias, Izzy não conseguiu saber muito sobre a história de vida deles. Só que aguardavam o retorno de seu filho.
Viviam da pequena plantação ao redor da casa e do artesanato de Cassius que conseguia transformar materiais colhidos no pântano, em objetos úteis como cadeiras, utensílios, etc. Ele era muito habilidoso com as mãos.
A bondade do casal fez com que a jovem se afeiçoasse a eles, cada dia mais. Izzy, por gratidão, ajudava a senhora nas tarefas domésticas.
Ao cair da tarde, a garota se afastava do casebre para juntar lenha. Os dias eram quentes, mas as noites extremamente frias. Enquanto trabalhava, olhava para o céu que nessa tarde estava especialmente bonito. Trazia lembranças de sua casa. Seria possível mesmo retornar? Ou deveria aceitar seu destino? Aquele casal a havia acolhido de tal maneira, que através deles quase conseguia se sentir em casa.
Já se aproximava do casebre, com os braços cheios de lenha, quando avistou um cavalo vindo em sua direção. Um repentino temor tomou conta de Izzy. Poderia ser o corcel negro? Ele teria a encontrado? No momento em que pensou em reagir, viu a velha Mei correndo em direção a ele.
- Cassius, depressa! É nosso filho!
O jovem deu um salto de cima do cavalo, como se a ansiedade por abraçar sua mãe o impedisse de definir a distância entre eles. A garota se surpreendeu ao ver o rapaz. Normalmente, jovens como aquele eram estudantes colegiais. Como um garoto daquela idade podia vir cavalgando? Trazendo em sua montaria objetos que comprovariam a longa viagem que fizera, além de um enorme arco e inúmeras flechas?
Enquanto abraçava sua mãe, o pai se aproximou e levemente curvou sua cabeça, uma demonstração singela de saudade e orgulho.
E o garoto arqueiro, voltando-se para a menina, perguntou:
- E esta? Quem é?
- Seu pai a encontrou no pântano perdida.
- Venha filho! – disse o velho – Temos muito a conversar.

O velho casal retornou para a casa acompanhados de seu filho. A moça vinha atrás trazendo a lenha que apanhou.
- Entre minha jovem queremos que conheça nosso filho – disse Cassius retirando o enorme chapéu da cabeça.
- Pai! Kirpa foi destruída. O exército da princesa, liderado pelo corcel negro, devastou tudo! Os poucos magos que sobraram se reunirão em Talgar para reorganizar a resistência e eu devo me juntar a eles!
A jovem, ouvindo que Kirpa havia sido destruída, interrompeu a conversa repentinamente.
- E Eliot? O que aconteceu com ele?
- Você conhece Lorde Eliot? Como pode conhecer o mais poderoso mago do mundo? Quem é você? Exijo que me diga agora mesmo.
O rapaz se alterou com a pergunta da moça. Como aquela jovem de aparência tão simples podia chamar o maior dos magos apenas pelo nome? O velho pai levou sua mão ao braço do jovem. Fazendo um sinal negativo com a cabeça. Aquele gesto deixava claro que desaprovava o interrogatório da garota. Já mais calmo se pôs a responder a pergunta:
- Ouvimos que ele pelejou contra o corcel negro, mas mesmo Lorde Eliot não conseguiu vencê-lo. O corcel ainda vive.
- E Eliot?
- Os rumores são de que aquele foi seu último sacrifício.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

Na escuridão do pântano

A noite estava escura e sombria. Somente os relâmpagos iluminavam ao redor, anunciando a breve chegada de uma terrível tempestade. Sem saber explicar, Izzy se encontrava boiando numa enorme poça barrenta. Quando conseguiu assimilar tudo o que havia acontecido, apoiou-se nos cipós para conseguir sair. A lama negra estava por todo o seu corpo, tingindo seu uniforme escolar. Por mais que se esforçasse, não conseguia retirar por completo aquela densa lama preta. Com a ajuda dos raios, conseguia ver mais ou menos o que estava a sua volta.
- Onde eu estou! – gritava a moça em profundo desespero.
Sua voz ecoava, tornando a paisagem ainda mais horrível. O pavor foi tomando conta de seu coração. Não havia ninguém, nada além daquelas sombras de árvores que mais pareciam criaturas horrendas. Que tipos de animais se arrastariam por aquelas matas? – esse pensamento incitava mais ainda o pavor, que já não era pequeno.
Os estrondos dos trovões começavam a se intensificar e os clarões refletiam a mata como se fossem figuras sombrosas. A chuva começou a cair gelada. Cada gota que tocava sua pele, a fazia recordar ainda mais do conforto de sua casa. A cada passo, seus pés afundavam ainda mais no solo lamacento. Ajuda, naquele momento, parecia mais um conto de fadas.
As lágrimas escorriam pelo seu rosto, enquanto caminhava sem rumo. Se via sozinha e sem fazer a menor idéia de onde estava. Desejava não estar ali. Pensava em sua cama que era tão quentinha e em sua mãe, que sempre preparava coisas tão deliciosas na hora do jantar. Mesmo que o cardápio fosse simples, era o mais gostoso, pois ela tinha o dom de transformar algo comum em especial.
Deviam estar preocupados! Desesperados a minha procura! – pensava a garota. Nunca havia ficado fora de casa por tanto tempo.
- Por que eu? Por que tive que ir até aquele lago idiota? – sussurrava consigo mesma.
Aquilo era um pesadelo e tudo o que Izzy mais almejava era acordar. Seu corpo se tornava cada vez mais pesado. Sua visão estava turva. Não queria se entregar, mas, por mais que se quisesse, já não tinha mais forças para continuar a lutar contra o infortúnio. Cedeu à força da gravidade sem nem sentir o impacto. Seu corpo estava anestesiado pela chuva fria.
Em meio ao delírio, uma visão tomou os pensamentos da jovem. Já havia visto esses acontecimentos antes. Sim. Era a mesma visão que contemplara no lago. Bem mais intensa e real. Os gritos daquelas pessoas soavam aos ouvidos de Izzy como raios. Já não queria mais ver aquilo. Não queria ouvir aquelas vozes. O que uma garota como ela poderia fazer para impedir tamanho sofrimento? Não conseguia nem mesmo mover seu corpo que se encontrava estirado no lamaçal.
Aos poucos, outra imagem se formava. Não conseguia definir muito bem. Assemelhava-se a uma espécie de pêndulo. Lentamente a figura de um homem surgia por trás daquele pêndulo. Seu olhar era gentil, porém triste. Notava-se que tentava sorrir enquanto chorava. Parecia uma imagem familiar, mas não se lembrava de ter visto tal homem em toda sua vida. A imagem se tornara nítida. Não era um pêndulo e sim um enorme pingente. Ele possuía um medalhão, com um pingente no formato de esfera em volta do pescoço. Ela esticava seu braço para tocar o medalhão, mas não conseguia alcançá-lo.
Abriu os olhos e, quando outro clarão iluminou ao derredor, viu uma sombra misteriosa em pé, na sua frente. Não sabia definir se aquilo era real ou não. Se havia mesmo alguém ali parado ou não. Antes que tirasse essa dúvida, escureceu-lhe novamente a vista. Izzy perdeu os sentidos antes de descobrir que, aquela “sombra” era real até de mais.

quinta-feira, 4 de janeiro de 2007

Corcel negro

Do alto da torre Eliot, Izzy e os outros magos observavam a terrível batalha que se espalhara por toda Kirpa. De lá de cima se podia ver o forte guerreiro, montado em seu enorme cavalo negro, que comandava a ofensiva. Seu poder era estrondoso. Poderia vencer todo exército sozinho – pensava a garota, mas um pensamento como esse era assustador demais.
- Aquele homem destruiu a redoma Eliot? – indagou a jovem.
- Sim.
- Quem é ele?
- Seu nome é Kei-tar, mas é conhecido como o corcel negro.
- Corcel negro!?
- Ele é o mais poderoso guerreiro de Farh. É o guardião da princesa. Ele e seus sete discípulos formam a liderança do exército real.
Eliot falava com tanto pesar. Não conseguia esconder a tristeza de ver o corcel negro lutando e destruindo a cidade dos magos.
- É apenas questão de tempo até ele invadir o palácio. Venha! – disse Eliot voltando em direção ao salão principal.
- Para onde vamos? – perguntou Izzy.
- Você precisa fugir. Ele veio em busca de sua vida, e não vai parar até conseguir.
- Uma cidade inteira está lutando para me proteger?
- Todos nós morreríamos para protegê-la. – bradou o mago enquanto corriam em direção ao salão.
- Não podem fazer isso!!! Não sou quem vocês pensam que...
- Vigiem o portal! Tentem segurá-lo o máximo que puderem – exclamou Eliot para os outros magos.
Eliot e a jovem entraram sozinhos no salão principal.
- Todos aqueles magos podem apenas segurá-lo por algum tempo?
- Infelizmente sim – respondeu.
De costas para a garota, o mago fechou seus olhos e segurou firmemente o báculo dourado. Começou a se concentrar. Estava pronto para realizar alguma coisa.
- Ele era seu amigo, não era? - perguntou a jovem com o olhar fixo na figura do mago.
Imediatamente Eliot abriu os olhos, como se a pergunta fosse um afiado punhal, que acabaram de enterrar em seu peito. Sem se virar, respondeu:
- Sim.
- E por que se tornaram inimigos?
- A minha fidelidade é apenas para com o povo de Farh; a fidelidade e o coração dele são apenas para a princesa.
O mago novamente voltou a se concentrar. Em seguida uma pequena luz formou-se em sua mão direita. Parecia um objeto, mas era tão brilhante que não dava para definir sua forma. Virando-se para Izzy colocou aquela luz em sua mão. De repente “aquilo” começou a penetrar sua pele. A garota olhava assustada, porém não sentia dor alguma. Penetrou completamente de forma que já não havia mais nada em sua mão. Entregou-lhe também uma espécie de saquitel.
- Estas coisas lhe serão muito úteis em sua jornada.
A garota ergueu a cabeça e olhou-o com espanto.
- Eu já lhe disse que está em suas mãos decidir se vai ou não cumprir sua missão, Izayoi. Mas, infelizmente, creio que agora se tornou uma questão de sobrevivência. Se decidir não lutar, imagino que quando esta terra for destruída, você retornará ao seu mundo. Até lá, terá que ficar viva.
Inesperadamente ouviram estrondos que vinham detrás do portal e por suas frestas podiam ver os clarões das explosões.
- Entre no circulo – disse Eliot.
- Mas... e você?
- Não se preocupe comigo! Vá!
Izzy correu até o círculo mágico, mas antes que pisasse naquela água, as duas gigantescas portas, que formavam o portal de entrada, voaram para dentro da sala. Em meio à nuvem de poeira, a figura de um homem se aproximava. Aquele era o corcel negro? – pensava a garota. Era um jovem de uma beleza inigualável. Seus cabelos eram vastos e negros como a noite; seus olhos eram de uma cor estranha, cor de mel talvez. Olhando de frente parecia que seus cabelos eram curtos, somente em alguns poucos momentos, se percebia a fina e comprida trança que corria por suas costas. Seu corpo era coberto por uma armadura escura e uma capa que se arrastava pelo chão. Trazia consigo uma imponente espada prateada.
- Então... você foi capaz... – disse o jovem.
- Veja o rosto dela. Ela é autêntica! – afirmou o mago.
- Ela é abominação! – gritou o guerreiro.
Como um raio, o corcel negro sacou sua espada e num salto extremamente habilidoso, já se encontrava em cima de Izzy, pronto para golpear a moça. A jovem virou-se, fechando firmemente os olhos, como se não houvesse mais salvação, quando escutou o estridente timbre da espada se chocando em outro metal. A garota abriu os olhos e viu Eliot defendendo o golpe mortal do corcel, com seu báculo.
- Entre na água! – bradou o mago.
- ELIIIOOOTTTTT!!!!!
- Vá!!! Agora!!!!
Izzy pisou no circulo. Era feito de água, mas firme como chão. Aos poucos começou a afundar como se estivesse sendo tragada por areia movediça. Assistia de longe a assustadora luta entre o mago e o corcel, enquanto ia, lentamente, entrando naquele círculo. Seu corpo mal havia acabado de entrar por completo na estranha água mágica, quando viu a ponta de uma lâmina ficar a milímetros de distância do seu rosto. Neste momento percebeu que aquele homem jamais desistiria.