segunda-feira, 23 de abril de 2007

Espírito Guerreiro



“ Como o ressoar de um trovão
Acende-se a chama em meu coração
A nossa amizade é o que tenho de mais valioso
Jamais deixarei que se vá, amigo precioso...”



Mais um! – pensava a jovem, enquanto segurava seu grande amigo. Acariciava-lhe o rosto sem cor, desejando que voltasse a vida. Quantos inocentes mais pagariam? O preço ia se tornando cada vez maior. O que poderia ser mais valioso que seu melhor amigo?
Izzy olhava ao seu redor. Por todos os lados só havia pessoas caídas e destruição. Não sobrou nenhum guerreiro para combater aquele monstro. Ninguém que pudesse ajudar. Estava sozinha diante do gigantesco mononoke.
O desejo de justiça se tornou muito grande em seu coração. Quanto mais via que seus esforços para reanimar Dan eram inúteis, mais crescia a vontade de punir o autor daquilo.
Izzy levantou-se lentamente. Lançou um olhar mortal para aquele ser, enquanto limpava a última gota de lágrima de seu rosto. Não era mais hora de chorar e sim de agir. Não se importava com coisa alguma, não tinha mais nada a perder. Sabia, apenas, que se não o detivesse, todos morreriam. Porém, precisava de algo extremamente forte para abatê-lo.
Nesse momento o céu lhe chamou a atenção. As nuvens negras comportavam inúmeros trovões. A alma da jovem estremecia ao som de cada um deles, como se conseguisse sentir seu poder. O céu a chamava e o seu apelo era como se quisesse revelar-lhe segredos indescritíveis. O segredo do poder dos trovões. Ouvia, novamente, aquelas vozes, mas desta vez, não como preces e sim como uma melodia, que a deixava em perfeita sintonia com o céu. Aquele canto dizia-lhe para fortalecer o coração e o espírito a ponto de suportar o intenso poder, se fizesse isso, bastaria um chamado e os raios a obedeceriam.
A dor por presenciar a queda de seu companheiro a anestesiou por completo. Acabaria com aquela criatura nem que fosse a última coisa que fizesse. No interior dela não tinha mais espaço para medo ou dúvida. O sentimento de amizade a fazia acreditar que podia derrotar seu inimigo.
O lobo gigante agarrou seu machado e com toda ira partiu para cima da moça. Neste instante Izzy estendeu seu braço direito para cima. Não importava se podia suportar ou não, se viveria ou não. Precisava daquele poder. Queria que o céu fosse apenas uma extensão de se braço. E estando ainda com o braço erguido bradou:
- Pois eu o chamo agora!!!! TROVÃAAOOOO!!!!!!!!
Um clarão cobriu a jovem e os incontáveis “flashs” corriam por todo seu corpo. Não existia mais um raio, aquilo se transformou em algo totalmente novo. Era parte dela. Corria por seus membros, igual a um brinquedo ou um bichinho de estimação. Ela o sentia perfeitamente e percebeu que poderia fazer com aquilo o que quisesse. Mas Izzy sabia muito bem o queria. Olhou fixamente para a figura do animal e gritou:
- MORRAAAA!!!!!!!!!
A rajada mortal atingiu em cheio a criatura que foi arremessada para longe. A garota também caiu de joelhos. Respirava ofegante. O desgaste era evidente.
Vendo o oponente caído à distância, a jovem voltou a si. Já não havia mais nenhum resquício daquele poder em seu corpo. Só via subir a fumaça que saia do corpo do monstro. Fumaça própria de algo que acabara de receber uma descarga elétrica.
Quando voltou para o arqueiro, caiu na realidade. Mesmo com a morte da criatura, seu amigo não seria trazido de volta. O silêncio tomou conta do lugar se tornando sua única companhia. As vozes já não mais falavam ao seu coração. O ódio já havia passado dando lugar à reflexão. O que posso fazer por meu amigo? Se eu acreditar, Dan poderia acordar? – questionou em pensamento.
Fechou seus olhos, começou a dizer consigo mesmo que ele acordaria. Repetiu várias vezes essa afirmação e quando os abriu novamente, viu que ele ainda permanecia naquele mesmo estado.
Acreditar não era simples. Como poderia crer em algo que ia contra o que seus olhos estavam vendo? Izzy fechou novamente seus olhos. Não havia mais poder algum. Não havia sobrado nada. A moça levantou a cabeça do rapaz e a apertou contra seu peito.
- Acorde Dan. Por favor! – sussurrou em profunda dor.
Quando terminou de pronunciar estas palavras sentiu alguma coisa pulsar em sua cintura. Procurou em sua roupa e encontrou aquele saquitel que Eliot havia lhe entregado. Rapidamente o abriu e encontrou um estranho pó brilhante. Aquilo pulsava cada vez mais forte nas mãos da jovem como se dissesse que poderia ajudar. A garota entendeu o recado e lançou aquele pó por sobre o corpo do rapaz. Após isso seus olhos nem piscavam. Aguardava ansiosamente o resultado. Depois de alguns momentos, percebeu um leve movimento nos dedos do moço. Aos pouquinhos ele abria os olhos. Izzy na conseguiu conter a felicidade.
- O que houve? – perguntou o jovem atordoado.
- Você está bem! Fico tão feliz!

Um gentil e apertado abraço acompanhou a frase e as lágrimas da jovem já não eram mais de tristeza e sim de emoção e alegria.
Dan, levantando-se parcialmente, olhou para o mononoke derrotado. Vendo aquela cena, mais ou menos conseguia deduzir o que havia acontecido. Aquela que o abraçava realmente era o guerreiro escolhido. Não lhe perguntaria mais nada agora. Sabia que tudo era muito recente para ela e que depois teriam tempo para conversar com calma.
A garota ainda ajudava o rapaz a se levantar quando perceberam estranhas sombras nas árvores que observavam de longe.
- Dan!
- Xiiii! – disse o arqueiro fazendo um sinal pedindo silêncio.
- O que foi?
- Ainda não acabou!

sexta-feira, 13 de abril de 2007

O vilarejo de Quil-oc

Por vários dias Izzy e Dan andaram pela trilha. Alimentavam-se de caça e frutos silvestres que encontravam pelo caminho. A jovem aprendeu rapidamente a sobreviver nesse novo mundo. Em alguns momentos se lembrava do gosto do chocolate, do refrigerante e tantas outras guloseimas que adorava. Mas a cada passo mais se conformava que, talvez, jamais experimentasse tais coisas novamente.
Durante a viagem, o arqueiro compartilhou sua história com a moça. Falou sobre sua infância, seu treinamento, sua entrada para o exército real e como a realidade daquele lugar havia mudado com a morte do rei. Izzy, por sua vez, contou sobre seu mundo. O jovem custava a acreditar que poderiam existir máquinas gigantescas que voam pelo céu, e outras que iam além do céu, assim como ela custava a crer que pessoas podiam flutuar apenas por acreditar que podem. O choque de conhecimentos era grande, mas isso não os impedia de serem cada vez mais amigos. As diferenças até os ajudavam a crescer num momento de dificuldade.
Se esforçavam para cruzar uma densa floresta, que mais parecia um labirinto e, após muita mata, viram o céu novamente. Logo a frente havia uma espécie de muralha feita com toras de árvores. A garota olhou para a palma de sua mão e viu que o triângulo mágico apontar para aquele lugar.
- Que lugar é este? – perguntou a jovem admirando a enorme construção.
- É um vilarejo! Estamos na terra de Quil-oc. Pelo que sei este lugar é pacífico. Estaremos seguros aqui. Podemos ficar uns dias e aproveitamos para conseguir suprimentos.
Izzy olhava tudo com surpresa. Além de Kirpa não havia visto nenhuma outra cidade. Cruzaram o portão acompanhando as inúmeras carroças que transitavam por ali. Era uma vila grande, mas bem humilde. Não se comparava com a beleza da cidade dos magos. Por aí, ela percebeu que, assim como em sua terra, Fahr também possuía diferentes lugares e pessoas.

Dan logo encontrou um lugar para se hospedarem. Uma velha pousada, cuja proprietária era mãe de um amigo que havia lutado ao seu lado no exército da resistência. Lá puderam descansar. Izzy não tomava banho direito há dias. O jovem arqueiro já estava acostumado às duras privações de uma jornada como esta, mas a moça tinha que se acostumar a cada minuto.
Após desfrutarem de um leve conforto, os jovens sentaram-se a mesa. Não era um banquete, mas eles não viam tanta comida assim há muito tempo. De repente o rapaz notou prato por prato passar por ele com se estivesse sendo sugado. Olhou para Izzy e se espantou quando viu que ela estava comendo em uma velocidade incrível. Rapidinho acabaria com tudo. Na verdade era difícil de acreditar que uma jovem tão delicada como aquela tivesse tamanho apetite.
- Que bom que gostou da comida – disse a senhora proprietária aproximando-se da mesa.
- Está uma delícia – tentou dizer a moça, mas como estava com a boca cheia nem todos os ouvintes conseguiram entender.
- Izzy não sei como é no seu mundo, mas aqui é falta de educação falar de boca cheia – cochichou o rapaz todo vermelho de vergonha.
- Deixe! A pobrezinha deve estar com muita fome – disse com um sorriso gentil. Tem notícias de meu filho? – perguntou ansiosamente.
- Da última vez que o vi, ia com os outros para Talgar – respondeu o rapaz.
A mulher sorriu levemente. Estava aliviada por saber que seu filho estava bem. Pelo jeito já sabia da destruição da cidade dos magos.
- Por que todos se encontram tão assustados? – perguntou a garota, vendo que várias pessoas fechavam as portas de suas casas apressadamente.
- Temos a notícia de que mononokes andam destruindo vilarejos em busca do guerreiro escolhido. Por causa disso muitos estão com medo e rejeitam forasteiros.
A afirmação a entristeceu profundamente. Não suportava mais saber que inocentes pagavam um preço tão alto por causa dela. Nesse momento ouviram o som do tambor da torre de vigia. Levantaram-se imediatamente para ver o que estava acontecendo quando viram muitas pessoas correndo em total desespero. Perguntavam o que estava acontecendo, mas ninguém parava para responder, quando ouviram um grito vindo da torre que dizia:
- Mononoke!
Um enorme ser havia destruído parte da muralha e invadido o lugar. Era uma espécie de monstro gigantesco. Tinha cabeça e presas de lobo, mas seu tórax e braços eram como o de um homem. Suas pernas voltavam a se parecer como as de um lobo. Carregava um medonho machado em suas mãos e com ele ia destruindo tudo o que se encontrava em seu caminho.
Rapidamente Dan entrou, pegou o seu arco e correu para fora.
- Vamos! Temos que detê-lo antes que ele destrua tudo e mate todos!
- O que é aquela coisa?
- Uma criatura da princesa. Ela usa o poder do medalhão para dar vida a seres como esse.
- Você disse que eles fazem o trabalho sujo, mas qual o significado disso? – perguntou enquanto corriam em direção ao inimigo.
- Eles não têm sentimentos nem escrúpulos. São criados apenas para destruir.
Os dois chegaram à muralha. Estavam frente a frente com a criatura. A moça nunca tinha visto nada igual aquilo. Parecia um monstro que saiu de algum filme de terror, mas infelizmente era bem real. Usava seu grandioso machado para partir ao meio casas e qualquer outra construção que se encontrasse na direção da lâmina. Izzy estava imóvel. Como poderiam deter aquilo?
-Izzy! Ajude os cidadãos a fugirem! – bradou o moço, enquanto manejava seu arco.
A jovem começou a ajudar o povo. O vilarejo havia se transformado num caos. Crianças choravam perdidas. Senhores de idade ficavam para trás. Todos fugiam em direção as montanhas. Os golpes daquela estrondosa arma faziam com que as casas voassem pelos ares. Infelizmente muitos eram atingidos. Izayoi sabia que tinha que deter aquilo de algum modo.
As flechas de Dan não conseguiam atingir o mononoke. Assim como as lanças dos poucos soldados que enfrentaram o próprio medo e se opuseram a ele. Conseguia derrubá-los apenas com a corrente de ar formada pelo golpe de seu machado. Aquilo era uma fera cheia de ódio e desejo de destruição. Entre um golpe e outro, emitia um horrível som com sua boca, como que se anunciasse a morte e tornasse aquela noite trevas eternas. Era evidente que ele não se importava se o guerreiro escolhido se encontrava naquele lugar ou não. Nem parecia obedecer ordens. Estava ali por vontade, e acabar com aquelas vidas era o seu prazer.
Todos os outros haviam caído. O arqueiro estava sozinho diante da criatura. Nenhuma flecha o atingiu. Porém o jovem era bem treinado. Sabia exatamente o ponto que deveria atingir. Só esperava o momento certo. Desviou-se do golpe da criatura e viu exatamente o que esperava, uma brecha entre os braços do monstro, e, disparando sua flecha, acertou o olho direito do mononoke. Isso fez com que ele largasse o machado no chão. Os berros de dor eram assustadores.
Izzy correu em direção a luta. A maioria dos cidadãos já havia se retirado. O ser, num momento de extrema fúria, agarrou o arqueiro que ficou preso em sua mão. Com ódio mortal, o espremia. Os gritos do rapaz iam se desvanecendo a medida que o monstro o apertava, e, após alguns momentos, nenhum som se ouvia mais do jovem. A criatura, ao ver seu adversário derrotado, aos poucos afrouxou sua mão e arqueiro despencou de dentre seus dedos.
-DANNNNN!!!!!!!!! – gritou Izzy, correndo em sua direção.
Chegando até ele se ajoelhou e o tomou em seus braços com força. As lágrimas corriam por seu rosto enquanto abraçava o amigo. O monstro se aproximava cada vez mais da moça. Sua sede de sangue não havia terminado com a morte do rapaz. Queria mais. Em choque, a garota não conseguia se mover, como uma presa inofensiva diante do predador. Será que a morte havia chegado?