terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

Em busca da arma mágica

Apenas cinzas restavam da pequena casa. Cinzas que jamais desapareceriam do coração do jovem Dan. Pelo contrário, seriam elas que o alimentariam em sua jornada em busca de justiça. Tudo o que lhe sobrava de seu passado era um arco e algumas flechas. Não tinha mais uma casa para voltar, mas, no fundo, sabia que o caminho que estava prestes a trilhar teria uma viagem só de ida.
Um poeta gravou na rocha uma palavra sobre a perda. Palavra constituída de três ideogramas orientais. Só que apagou um deles, de forma que era impossível ler o que estava escrito. Não se pode ler a perda, somente senti-la. Aquele jovem, agora, entendia muito bem o significado do poema.

Dan caminhou em direção a garota. Ela havia passado à noite toda sentada naquela rocha.
- O que pretende fazer agora Izzy? A princesa não vai parar até te encontrar.
- A culpa foi minha.
- Não! Isto é uma guerra.
- Primeiro Eliot e agora seus pais.
- Eu já disse! Estamos em guerra, muitas vidas são sacrificadas. Está em nossas mãos continuar ou não lutando pelos seus ideais.
- Nossas?
- Irei com você! Seja qual for sua decisão, seja para onde for!
- Eu destruirei esse maldito medalhão! Após isso, retornarei ao meu mundo.
Um brilho de esperança apontou nos olhos do rapaz. Havia uma maneira de evitar a destruição de seu mundo. De vencer a batalha contra a cruel princesa. De vingar à morte de seus pais. Ele sabia que daquele momento em diante, sua vida seria dedicada a ajudar e proteger o guerreiro escolhido.
- Será uma longa viagem Izzy! A cidade de luz, onde se encontra o castelo real, fica muito longe daqui.
- Não tenho nada a perder. Tudo o que tinha já perdi quando vim para cá.
- Nossa missão, então, é destruir a fonte do poder da princesa!
- Isso!
- Não será fácil. Esse objeto possui poderes ilimitados. Como pretende destruí-lo?
- Eliot me falou a respeito de uma arma mágica e que com ela seria possível destruí-lo.
- O metal vivo?!
- Esse mesmo.
- Então a lenda é mesmo verdadeira! – exclamou com surpresa.
- Estou tentando lembrar o bendito nome do lugar desde ontem à noite, mas não consigo. Só me lembro de ele ter dito que ficava onde o céu toca o chão ou coisa assim.
- Kinslei.
- Isso! Isso mesmo!
O rapaz abaixou a cabeça e sentou colocando os braços sobre os joelhos. Como se soubesse de algo que a moça ignorava ou desconhecia. Após pensar um pouco, novamente falou:
- Acontece que Kinslei é uma terra que só se conta nas histórias. Não há nenhum mapa que nos leve até lá. Ninguém sabe onde fica. Lorde Eliot não te disse o caminho?
- Não!
Um silêncio de desesperança pairou no ar. Sairiam em busca de algo sem saber o caminho?
Neste exato momento a mão direita de Izzy começou a brilhar.
- Dan! Depressa! Veja!
O jovem arqueiro rapidamente se levantou e olhou para a mão da garota com espanto. Enquanto eles olhavam buscando decifrar o que aquilo significava, um triângulo brilhante surgiu na palma da mão da moça. Seu ápice apontava para uma trilha na floresta. Conforme ela movia lentamente seu braço para outra direção o triângulo também se mexia, apontando na mesma direção inicial.
- Um guia! – disse o rapaz.
- Acha que nos levará até lá?
- Os guias mágicos geralmente levam seus donos onde o coração deles quer chegar. Como conseguiu um?
- Eliot colocou isso em minha mão antes de me mandar sair de lá.
A garota olhou fixamente para sua mão e lentamente a colocou contra o peito. Fechou seus olhos e com todo seu coração desejou em voz alta:
- Quero que nos leve até a arma mágica.
Após isso, estendeu o braço direito e viu o ápice do triângulo apontando na direção da trilha.
- É por ali – disse a moça – Este caminho nos levará até o lugar onde está a arma lendária, o medalhão e a princesa.
- E o corcel negro – afirmou o rapaz enquanto colocava sua mão sobre o ombro da garota.
- Mesmo assim eu vou!
Dan sorriu gentilmente e gesticulou levemente com a cabeça, como um sinal de ânimo.
- Vamos lá? – perguntou Izzy como quem quer saber se tem um companheiro para o que der e vier.
- Sim – exclamou o jovem com toda a confiança.
Os dois amigos pegaram tudo o que restara da casa que lhes serviriam na viagem. Após isso caminharam para onde o triângulo mágico estava apontando. Izzy olhava para aquele estranho caminho e não sabia ao certo onde ele a levaria. Sabia apenas que quando entrasse por ele talvez não houvesse mais volta. Mesmo com tudo isso em seu coração, continuou caminhando, e, aos poucos, ela e Dan se distanciavam das ruínas da pequena casa. Eram os primeiro passos de uma longa jornada.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

Decisão


Algo no coração da jovem dizia que o mago estava vivo. Sabia que se aceitasse o que lhe estava sendo relatado, jamais o veria de novo. Recusava-se a acreditar simplesmente. Havia visto todo o poder dele quando chegou. Não era possível que aquele guerreiro fosse mais poderoso que Eliot. Se assim fosse, realmente a destruição era inevitável.

Pela manhã levantou-se para buscar água. Desde que havia chegado essa atividade já tinha se tornado um hábito assim como tantas outras. Quanto mais os dias iam passando, menos restava daquela Izzy que costumava a se atrasar para chegar à aula, que bolava planos para driblar o porteiro da escola ou que sonhava com o menino mais cobiçado da turma.
- Você levanta cedo hein? – ouviu enquanto se reclinava no córrego.
Virou-se para ver de onde vinha essa pergunta, quando viu o jovem filho do casal manejando seu arco. Parecia estar praticando ou algo assim.
A garota, virando-se apenas parcialmente, fez um gesto com cabeça como quem cumprimenta, mas não quer conversa. Ia retirando-se quando ouviu novamente:
-Espere! Qual é o seu nome?
- Izayoi.
- Que nome bonito! Quer tentar? – perguntou o moço, mostrando o enorme arco.
A timidez fez com que ela hesitasse na resposta. Após pensar um pouco disse:
- Eu posso?
- Claro!
Depois de umas rápidas instruções, Izzy tentou atirar. Já havia visto como se faz pela televisão uma vez. Só que, naquele momento ela percebeu que não era tão fácil quanto na TV. Como era de se esperar, sua flecha passou muito longe do alvo, provocando uma gargalhada no rapaz.
- Não ria! É a primeira vez que pego nessa coisa!
- Não é isso! Veja onde você acertou.
Izzy percorreu o lugar com o olhar para ver onde acertara e encontrou sua flecha fincada numa árvore junto com o chapéu de palha do velho Cassius. Ela o arrancou das mãos do homem justamente no momento em que ia colocá-lo sobre a cabeça. Acho que essa era razão de ele se encontrar parado, olhando os dois, com cara de “tacho”. Com a cena, a garota também não conseguiu segurar o riso. Levemente levou a mão direita na nuca, demonstrando seu constrangimento, como quem sabe que cometeu uma enorme gafe.
- Com certeza é necessário anos de treinamento pra conseguir acertar! – disse com um sorriso meigo e as bochechas ruborizadas de vergonha.
- Você não é daqui não é? Qualquer um sabe que pode se acertar na primeira. É difícil, mas possível. Depende muito mais do coração de quem atira. O treino, na verdade, é mais psicológico. Quer ver? Tente outra vez.
A moça tomou o arco, e, novamente, mirou o alvo. Poderia acertar? Se nunca havia feito isso antes?
- Dessa vez não pense que vai errar. Acredite que pode acertar!
Izzy tentava, de todas as maneiras, acreditar. Voltar para casa parecia uma idéia distante. Teria que se adaptar a esse mundo novo. Se adequar em como ele funciona. De todo coração queria aprender. Começou a pensar que podia. Começou a acreditar.
- Viu! Nossa você conseguiu mesmo!
A jovem não conseguia saber como aquilo era possível. Sabia, apenas, que era possível de algum modo.
- Bem vinda Izayoi! Eu sou Dan.
Uma estranha felicidade estava estampada no rosto da moça, e, após ouvir esta frase, sentiu que as barreiras caíram todas. Sentiu-se bem ao lado daquele rapaz tão atencioso. Era o início de uma grande amizade.
- Pode me chamar de Izzy! É bem mais legal, sem mencionar que fica muito mais fácil! – um leve sorriso acompanhou a afirmação.
- Certo... Izzy...

À medida que o tempo ia passando se sentia mais e mais em casa, apesar da humildade do lugar e da vida difícil que levavam. Guardava consigo uma enorme gratidão por cuidarem dela todo esse tempo. Ela e o jovem arqueiro se tornavam cada vez mais amigos e ele a ensinava a se defender com espada e a aprimorar-se com o arco. Assim, sentiu-se confiante para contar-lhe seu segredo e tudo o que havia acontecido no palácio de Eliot.
- É você?! O guerreiro lendário que salvará o nosso mundo? Por que não disse nada?
- Não sou eu Dan. Eu quase morri! Se seu pai não tivesse me encontrado a tempo... Entenda! O mais provável é que trouxeram a garota errada.
- Você já sabe que as coisas não funcionam como aprendeu em seu mundo. Não depende de o quanto se é forte fisicamente, mas sim de quanta fé possui.
- Mas...
- Venha! Temos que contar a meu pai quem é você.
- Dan não!
O rapaz começou a correr em direção ao casebre. Estava ansioso para contar a seus pais que haviam encontrado o guerreiro lendário. Izzy corria atrás dele, pensava em persuadi-lo a não fazer isso.
No meio do caminho, viram uma grandiosa nuvem preta. Algo estava em chamas. Imediatamente se lembraram de Cassius e Mei e correram em direção ao casebre. O desespero tomou conta de seus corações ao constatarem que seus temores eram verdadeiros. A pequena casa estava tomada pelo fogo. Tentaram fazer algo, mas já era tarde demais.
- Seus pais podem estar no pântano. Temos que encontrá-los. Vamos depressa!
O moço fechou seus olhos. Não se movia. Novamente os abriu, e, fixando o olhar na palma de sua mão direita fechou-a com força, como quem jura vingança. Voltando-se para fumaça que subia aos céus disse:
- Meus pais estão mortos!
- Não! Não! – gritava a garota em meio às lágrimas – Podem estar por aí, em algum lugar. Temos que encontrá-los! Depressa! – dizia agarrando as roupas de Dan.
- Vê estas marcas espalhadas pelo chão?
- Sim.
- São rastros de Mononokes*. A princesa os cria para fazer o trabalho sujo. Usam seus poderes sobrenaturais para o mal e ninguém que se encontre com tais criaturas consegue escapar com vida. Vieram com um propósito e jamais partiriam sem cumprí-lo.
A jovem ficou atônita. Existiria tamanha crueldade? Um amargo sentimento de culpa inundava sua alma. Aquela tal princesa chegaria tão longe só para matá-la? Primeiro uma cidade inteira e agora isso? Um casal de idosos? Quantos mais ela mataria?
Dan caiu de joelhos diante da casa que queimava. Suas lágrimas chegavam até o coração de Izzy como gritos estridentes. Ela, porém, se encontrava de pé em cima de uma rocha. Olhava para o horizonte enquanto via a imagem do casal que sua imaginação criara, e, lembrando-se do carinho da velha Mei, disse consigo mesma:
- Eu destruirei o medalhão!



* Mononoke – animal sobrenatural ou também criatura sobrenatural
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